- Boa noite, senhora condutora – diz, batendo continência
- Boa noite, Senhor Guarda. (ao que parece, se os tratarmos por “senhor guardas” é meio caminho andado para se sair ileso… Ah, e ser gaja também ajuda.)
- (grande sorriso nacional republicano) Pode mostrar-me os seus documentos de identificação?
- Concerteza, estão na minha mala... Que está na mala do carro. (riso nervoso)
- Imobilize o veículo, desligue o motor e queira sair, por favor.
Puxa, só faltava dizer para sair de mãos no ar!! Assim fiz. Saí, fui até à mala do carro, tirei a documentação e entreguei-lha. Até agora o raio do polícia estava convencido que eu estava alegremente etilizada. E, agora que penso, eu dei-lhe motivos:
- Então, menina “de Marte”, vem da festa de Carnaval? - diz ele, dizendo o meu nome completo, ao olhar para o BI.
- Sim, venho. (Grande sorriso nesta cara marciana – e eu nem tenho culpa! Tenho mesmo este ar feliz, bolas!)
- E ingeriu alguma bebida?
- (estavas a ir tão bem… é claro que bebi, dumb ass!!) Sim, bebi água. (mais risinho nervoso…) Mas podemos fazer o teste à mesma? É que nunca fiz, e…
- Bebeu água? Mas está muito feliz para quem bebeu água, menina “de Marte”. Então acompanhe-me àquele veículo para procedermos ao teste de alcoolemia, para verificarmos se está capacitada para conduzir.
- Boa! Mas vai ver que vai dar 0.0!!!! – Estive quase a desafiá-lo para uma aposta. A dinheiro!!! Mas reconsiderei. É provável que não fosse a melhor pessoa para eu desafiar... E entretanto fui invadida pelo mentol na minha boca. Começo a mascar a pastilha ruidosamente. Se fosse um filme porno, puxaria a pastilha para fazer um fio e começaria a enrolar no indicador, à medida que olhava para o agente chico-esperto. E mais, se fosse um filme porno, aquele bocal de plástico iria sofrer todo o tipo de lambidelas, sugadelas e mordidelas possíveis. Mas, de volta à realidade… – E onde é que posso deitar a minha pastilha, para poder soprar?
- Ponha aqui – e aponta para o tapete dos bancos traseiros da carrinha da GNR, onde jaziam os tubinhos de sopro e os respectivos invólucros de plástico.
Fiz uma bolinha com a chicla verde, com a língua empurrei-a para a pontinha dos lábios e com os dedos fui buscá-la e enrolá-la num dos plásticos (se bem que podia ter tentado, simplesmente, cuspir a chicla e tentar acertar num dos muitos plásticos do chão. Tinha sido mais “pretty woman” e marcaria a minha primeira vez a soprar o baloon, numa quase década de encartamento).
- Então – diz-me ele – o procedimento é o seguinte: vai iniciar um sopro contínuo até eu mandar parar e depois vemos o resultado.
- Ok.
- Aaaaaaagora.
- Fuuuuuuuuu… (pah, desculpem lá, mas não sei escrever o som do sopro, tá?!?)
- Já está. Agora é só esperar um bocad… – entretanto apareceu o resultado – cá está. 0.0, tal como a menina "de Marte" tinha dito.
- Aha!, está a ver? Já acredita em mim, já? (se calhar não devia ter dito “Aha!” ao GNR. [Fazer apontamento mental para memória futura!! ])
E, neste momento, o arqui-inimigo que me poderia mandar prender por desacatos vários que nunca passaram do campo da minha imaginação, transformou-se no meu arqui-amigo-do-peito, e encetou uma acalorada conversa. Coisa para durar os seus seis minutos!!
O que, como seria de esperar, preocupou a minha amiga que estava dentro do carro, descalça, a massajar os pés cansados de dançar horas a fio com o índio mais sexy da party, após beber uns dois litros de cerveja. Preocupou, mas não o suficiente para se descolar do assento. Nem baixar o vidro e mandar um berro para me socorrer. Enfim…
- Então, diga-me, menina “de Marte” – agora dito com tom meloso – é de cá? (e “de Marte” é o guarda a chamar-me pelos primeiro e último nomes. Usou sempre o meu primeiro e último nomes até ao fim da conversa…)
- Não, sou dum planeta vizinho. (disse o nome da minha “terra”)
- Sabe, eu tenho péssima ideia das pessoas da sua terra. São pilhos.
- Desculpe?
- Pilhos. São mitras.
- (olha-me este gajo…) É capaz de ter razão. Afinal só um de nós dois é GNR. Pois, mas não sei dizer, já não conheço muita gente lá.
- Ah, então não está lá a viver. Está a estudar fora, é?
- A… estudar?? Já deixei de estudar há uns anos.
- Hein? Data de nascimento… Ah, pois, mas não parece nada.
- (ouve lá, oh palhaço! Não tarda nada sou trintona… Estou maquilhada e tudo. Ou pensavas que isto era o meu outfit de carnaval? Mascarada de adulta, a gaiata…!) - Ah, obrigada. Sim, mas estive a estudar em Lisboa e continuo por lá.
- Ah, Lisboa, bem me parecia!
- (Epah, és um bocado camelo! Como é que te poderia parecer?) Pois… Acho que percebo o que quer dizer.
- Então e o que estudou, qual é a sua formação?
- É “marcianite”. (disse o nome do meu curso)
- Ah, bom. E teve Direito? Eu também estudei muito Direito, sabe?
- Hummm… (olha, e se te calasses? Devia era ter-lhe dado o número do telemóvel da minha amiga-com-dores-nos-pés-que-não-me-veio-salvar. E ao entregar-lhe o número dizia-lhe “Liga-me, ‘tá?” e lambia o lábio superior… Eheheh.) - Sabe, eu tenho de ir andando, estou a sair agora da festa porque a irmã da minha amiga foi internada de urgência no Hospital. (O pior é que isto era mesmo verdade…)
- Olhe, menina “de Marte”, não se esqueça da sua carteira (que jazia esquecida na mala do carro da GNR).
- (bolas, pah! Que ar de totó tenho. Bem podia o gajo achar que eu estava bêbeda!) Ah, obrigada.
- Só mais uma coisa menina “de Marte”…
- (Porra, pára de me chamar menina e não me trates pelo meu primeiro e último nome, por favor!!!) Sim, senhor guarda?. Diga?
- O carro é seu?
- Não. É emprestado. (Ar espantadíssimo da jovem marciana: como é que ele adivinhou?!?!)
- E, diga-me, tem tudo em ordem? Inspecção, selo? Sabe onde está o livrete? Tem triângulo e colete?
- (Hesitação mental, resposta mentirosamente pronta:) Sim, claro que sim. O triângulo e o colete estão no fundo falso da mala, o registo de propriedade no porta-luvas, e o resto está no vidro e está tudo em ordem. (Resposta mental: foooooda-se, está tudo em casa, em Lisboa! Como é que me esqueci?! É bom que não me peças nada disso. Nada… Pleeeeease!!! Sim, o selo que está aí é o do ano passado, como viste quando apontaste para lá a lanterna… Mas não me peças nada!!!)
- Muito bem. Faça boa viagem e as melhoras para a sua amiga no hospital.
(A cara dele dizia: “deves pensar que me enganas. A irmã dessa está no Hospital e ela está descalça a esfregar os pés, só falta dar beijinhos nos dedinhos… E tu estás com 0.0 e com esse ar que quem acabou de chegar numa nave espacial, a dizer-me a mim que a documentação está toda em ordem… Deves estar é drunfada!”)
- Obrigada, senhor agente, e continuação de bom trabalho. (Estado de espírito hesitante entre o “Se fosses mazé chatear outra…!” e o “Obrigadinha, pah. Estava capaz de te beijar os pés por não me teres chateado por causa dos papelinhos coloridos expirados, no vidro do carro! Obrigada e que Deus te pague!)
Entro no carro e a minha amiga diz-me:
- Oh pah, porque é que demoraste tanto?
(silêncio meu e roncar furioso do motor)