
Me esgote.
Eu tenho um problema.
O meu problema chama-se encantamento, fogacho. E desencantamento. Assim como vem, vai. Salvo raras excepções que o tempo confirma serem paixões, a maior parte dos encantamentos vão sem deixar rasto. Ainda por cima acham que o não querer ir pra cama com eles é o meu lado doce e recatado de donzela. Bem… não é! De facto quando isto sucede a explicação é bem mais imediata: não quero os tipos para mim. Só quero dar-lhes um pouco de mim e roubar-lhes um pedacinho de nada. Demasiado, quando olho para trás.
O Sr. Lei, por exemplo, um menino por quem me encantei durante uma semana e tal. E o processo é trivial: encantamento – envolvimento – “és a mulher da minha vida” – “bye bye”. O que me acontece é que perco o interesse pela pessoa quando (ao fim de pouco tempo) começa com conversas muito vanguardistas, do tipo “deixa-me amar-te e sê minha para sempre” ou “acho que podíamos ser muito felizes juntos”. Sim, claro que podíamos. Se eu me anulasse e vivesse para te servir. Se me tornasse a tua dona de casa parideira e dondoca, com um bando de miúdos lindos que eventualmente me preencheriam e far-nos-iam felizes. Sim, seríamos felizes. Excepto aquele detalhe em que eu seria infeliz como mulher. Uma super-mãe, é verdade, ao lado de um super-pai incontestável. Mas uma mulher infeliz.
Outro fogacho foi o Bob, O Construtor. Um bom flirt, muitos olhares, nada de mensagens nem messengers nem o caneco para não habituar mal os tipos que ficam a pensar que estou disponível 24/7. Não estou – só para quem quero. Houve umas saídas em grupo, um copo a mais de parte a parte, o envolvimento. Duas semanas depois (em que nos vimos quatro vezes) vieram as palavras má(gica)s: “Anda viver comigo. Esperava por isto há tanto tempo. És perfeita.”. Ok, então adeus. És mentiroso ou iludido. De qualquer modo um de nós vai sair magoado quando descobrir que não sou perfeita. Antes tu que eu. Bye.
Michel Vaillant: O único que me tirou de letra. Já me conhece desde pirralha. Não foram necessários os passos de aproximação, apenas uma noite em casa dele e outra na minha. Este homem ama-me. Ama-me e tratar-me-ia como uma rainha. Pequeno pormenor: não o amo. Não sei ser quem pretende que eu seja. Não quero ser quem pensa que sou. Imagina-me e descreve-me como perfeita, como isenta de falhas, como dona da palavra, dona da verdade, com objectivos bem definidos, planos bem traçados. Não sou eu. Lamento. Não me revejo. Depois de me fazer as maiores declarações amorosas, como eu pensava que todas as mulheres gostariam de ouvir, não soube (cor)responder. Depois de tomarmos uns cafés de relativização (de desmame), deixou de me contactar. Não voltou a falar-me. Sei que está bem, que tem planos bem delimitados e imagino que me tenha riscado deles. Sem despeito nenhum, sei que é melhor assim. Acho-o melhor homem por isso, por não se arrastar aos meus pés. Podia ser amiga dele.
O Johnny Bravo. Este era o menino com quem eu queria aventura. Era perfeito. Corpo perfeito, dentes perfeitos, inteligência perfeita, cabelo e unhas irrepreensíveis. O rapaz da lista telefónica cheia de miúdas, mulheres, meninas. (É capaz de ter sido o autor da música do Martinho da Vila. É que ele já teve mulheres de todas as cores, de muitas idades, de muitos amores, mulheres do tipo atrevida, do tipo acanhada, do tipo vivida, casada, carente, solteira feliz, já teve donzelas e até meretriz. Ok, sem a parte da meretriz, que mete nojo). Era perfeito para mim. Era perfeito porque não me queria, não me exigia, não me prendia. Até um dia. Um dia apaixonou-se. Mas eu tinha avisado: “olha que eu não sou como as outras” e ele pensava que era charme meu, que era eu a armar-me em importante. De facto não era. Eu era “especial” mas de outra forma. A mulher que não quer compromissos, não quer cobranças. Foi fatal para o Bravo que tinha decidido assentar e fazer vida comigo.
Eu não sou como as outras. Eu ainda não disse a quem quero que o quero. Não abertamente. Veementemente. Mesmo querendo, admito que haja pessoas como eu. Que fogem quando se sentem presas. E se eu quero um tipo, é perfeitamente compreensível que não saiba reconhecer e valorizar os outros que genuinamente me querem, mas que não podem ser correspondidos. Nem me sentiria bem a “usar” esses meninos como 2as escolhas, só por ter a certeza que passariam o tempo todo a tentar fazer-me feliz, a tentar agradar-me. Eu não quero passar a vida só a tentar. Eu quero ser feliz na tentativa e no erro e no sucesso. Porque é assim que me sinto contigo. Quero olhar para ti e saber que me chega isso. Que o amor é para sempre enquanto dura. Que sou melhor pessoa contigo. Que posso ser eu à luz do dia. Que me arrelias e extasias porque faz parte, é mesmo assim. Porque no fundo o Johnny Bravo, o Bob, o Michel e o Sr. Lei são bons homens, mas eu derreto-me é pelo Sport Billy.
O que eu gostava das lições 100! Lembro-me de fazermos a algazarra total nestes dias. Era comer tortas DanCake, beber Coca-Cola, muitos Cheetos, Fritos e outras coisas que fazem mal. Devia haver mais variedade, eu é que recordo principalmente estas gulodices por serem proibidas lá em casa. Proibidos eram também os namoricos. O bom é que os meus pais não precisaram de se preocupar comigo neste ponto: eu estava mais interessada em jogar às damas, ao berlinde (sempre fui craque!), em saltar ao elástico, jogar ao Sabichão (sim, também lhe torci a varinha para me rir com a sua ignorância!!), ao “peixinho”, ao mata, em tocar piano e vestir as imitações de Barbies.
Mas as lições 100 do 5º ano foram especiais. Alguém levou um rádio com leitor de k7, outros levaram as k7 com o melhor som do momento. O SUPERMIX 7 foi rei no meu ano áureo.
Os namoricos floresciam por esta altura. Ainda não tinha dado o meu primeiro beijo a sério. (Ok, e não cheguei a dá-lo. Eu ligava muito mais à sedução, mesmo sem me aperceber disso. Porque tinha um brilho natural, creio! [xi, que modesta!] No meu bairro faziam-se apostas para ver quem conseguia um beijo meu. Escusado será dizer que ganhavam os que apostavam na minha “frigidez”…).
Mas voltemos ao Ciclo.
Eu gostava dum rapaz que gostava de mim… e de mais umas 30 miúdas, para dar um número redondo. Ora, como não estava disposta a dar o meu primeiro beijo a alguém que depois o fosse dividir (nas trocas de saliva) com sirigaitas, remeti-me à abstinência oscular.
E fiz bem.
Ainda chegámos a marcar um date num jardim mas houve fuga de informação e uma horda de incrédulos estava no spot muito antes de mim e muito (mal) escondidos!! Place your bets, só faltava ouvir!!!
Aquilo foi um evento que se situa entre o Bwin numa versão home made infanto-juvenil, e a espera que os crentes fizeram em Fátima, nos dias 13 dos meses seguintes aos pastorinhos terem comido aqueles cogumelos fixes.
Enfim… O tal jardim estava cheio de infantes atrás de arbustos hormonalmente aos pulos com a ideia de ver a boca da marciana quebrar a castidade a que estava votada. Esse momento não chegou naquele dia, exactamente por ele ter ido contar a toda a gente que me ia beijar. E os descrentes ganharam... mais uma vez! J
Mas as lições 100 marcar-me-iam para sempre. E porquê? Porque numa dessas lições este rapaz do quase-beijo recusou uma dança com a minha arqui-inimiga-loura e veio convidar-me a mim para dançar. E eu não dancei… eu flutuei! Estive no céu. Dançámos um slow que alguém (bendito seja!) trouxe numa atitude lamechas e cujo alcance essa criança desconhece.
Foi neste ano que saiu em grande força o hit (Everything I Do) I Do It For You, do Bryan Adams. E mudou a minha vida.
Vá, mudou a minha infância.
Bem, talvez o 5º ano.
Mudou o Verão.
Pronto, talvez nem o Verão! Mudou uma tarde. E tornou-a memorável.
(Sim, é isto.)
Aqueles minutos em que estive agarrada ao objecto do meu desejo foram mágicos. Mais de 4 minutos de êxtase. Aproveitei para me aproveitar dele, claro. Já que não ia beijá-lo ao menos ia mostrar-lhe o que é que ele (por ter andado a gabar-se que me ia beijar) estava a perder. (Isto são mesmo vingançazinhas à gaja, ya!). O engraçado é que eu queria que ele aprendesse uma lição, mas quem aprendeu fui eu.
Durante a dança fomos aproximando os corpos e comecei a sentir o ritmo cardíaco dele, completamente desfasado do slow que dançávamos. Os seus olhos fecharam-se; enrolou mais os braços à volta da minha cinturinha de impúbere e eu, de braços enlaçados à volta do pescoço dele e cabeça apoiada no seu ombro, pensei: “ah, então é disto que toda a gente fala…” e deixei-me ficar, guiada por um sentimento que acabara de descobrir, e por umas borboletas (que não me lembro de ter engolido) dançando no estômago.
Foi a melhor dança de sempre. De todo o sempre. Senti-me com metade da idade, envergonhada por ainda não ter querido ou deixado aquele sentimento nascer em mim.
Volvidos 17 anos a recordação ainda faz soltar um suspiro, talvez por nunca nos termos beijado. (Será que eu estou aqui a ver um “padrãozinho de não-beijar” que ainda hoje se mantém?!).
Whatever.
…Foi somewhere nesses 4 minutos que começou um rol de lamechice interior que não mais veria fim. Não tenho culpa. Uma vez aberto o portão da pieguice, encontrei-me num ponto de não-retorno. J E gosto tanto de viver assim!
(Ninguém me tira esta cisma de ja ter visto esta tal de "Clementina" verdalhona e magricela sem cabeleira nem aquelas roupas... Vou ligar ao Cocas a ver se sabe de alguma coisa...)
Os homens são apressadinhos. E isso é equipamento de série. É que já nem se fabricam sem o serem. Trazem o chip da pressa tão metidinho, tão metidinho que não conhecem outra condição.
E hoje sim, apeteceu-me generalizar. Hoje é tudo farinha do mesmo saco. É tudo farinha Amparo!
Lá porque somos simpáticas ou afectuosas não quer dizer que estejamos de quatro. As mulheres são naturalmente afáveis, até mesmo as duronas têm este lado. E os homens acham que por sermos amáveis amantes, somos amores.
(Ei, ca burros!)
Actualmente os homens já não detêm a exclusividade do sexo-por-sexo. E eu nem sequer gosto particularmente dum affair sem suporte, sem algo que me seduza, sem me sentir envolvida, mas daí a ter de estar apaixonada para partilhar a cama… gimme a break!
O amor per si não me cativa. O amor é o que fica quando a paixão desmaia, e a mim não me convence. Por enquanto quererei ser (ou estar) apaixonada. E apaixonar-me-ei todos os dias, se preciso.
Mas falar-lhe (ou falar-me) disto parece-me contraproducente. Como o oblique gaze ou efeito prismático, em que se estivermos a olhar directamente para algo não conseguimos ver tão nitidamente como se estivermos de olhos semicerrados a olhar ligeiramente para o lado.
Também os sentimentos se olhados directamente perdem a sua essência. Quando demasiado esmiuçados começam a desvanecer-se e só uma alteração de perspectiva (foco) ou um piscar (fechar) de olhos funcionam como redefinidor de contornos.
(pena que esmiuçar seja defeito meu…)
---
Gosto da paixão como gosto do plateau. Quase todos os (homens e mulheres) que conheço trabalham para o orgasmo. Correm para ele como se este lhes fugisse. Não me seduz sobremaneira, o orgasmo. Posso induzir-me vários, e desde criança os associo ao sono. Não são, por isso, uma prioridade.
O que me faz disparar os sentidos é o plateau, o pré-orgasmo; aquele estado letárgico, sublime, em que me domino, transcendo, excito e exercito. Se fosse uma maratona, eu correria 41km e ao percorrer o 42º, voltava para atrás. Correria até meio do percurso, voltaria a correr no sentido correcto, e andaria assim, de um lado para o outro, a evitar a meta. (Talvez não a correr – a saltitar, abanando os braços para me impulsionar).
Porque gosto de (me) explorar. E ao outro, de o cheirar e tocar e provar. Lamber--lhe os lábios devagar. Sentir a sua boca entreaberta. Deixar a minha mão percorrer- -lhe o corpo, abrindo caminho para que os lábios a imitem. Gosto de boquear (foi o verbo que inventei agora para traduzir algo com “tactear com a boca”). Gosto de cheirar o homem com quem estou. Gosto de o lamber.
É assim que sou. Tenho a maior das dificuldades em ser compreendida pelos homens que se sentem diminuídos na sua masculinidade ao repararem que não estou ali pelos orgasmos múltiplos. Poor guys. Eu não preciso que me "dêem" orgasmos! Seria como oferecerem-me lingotes de ouro; guess what?, tenho uma despensa cheia! Eu gosto, claro, são prazeirosos, mas esses orgasmos construídos em trinta segundos uso-os basicamente para combater a insónia.
O que me move é o prazer de ficar horas a fio a contemplar, admirar, esculpir, tactear o meu e o seu corpos. Construir um plateau onde fique a aproveitar-me dos seus recursos, do seu empenho, da sua energia. Não andar a pensar que orgasmos simultâneos é que são bons. Não são. Os deles duram três, os meus bastantes mais segundos. Há uma lacuna grande em que, devido ao estado de "sensibilidade" dele, não tenho o feedback pretendido. Trabalharem ou dedicarem-se os dois a um mesmo objectivo é muito mais profícuo.
Todos passamos por momentos complicados. Uns mais que outros. Uns dizem que não têm problemas na vida. Nenhuns. De facto fingem-no. Têm tantos como os outros mas fá-los mais felizes pensar (dizer) que não. Ou então preferem não olhar para eles como problemas. Se lhes chamarem “pastilhas” em vez de “problemas”, não têm problemas, de facto. Têm pastilhas.
Seja feita a vossa vontade. Siga a marinha.
A maior parte de nós acredita (declaradamente ou não) em qualquer coisa grande, maior, que traça ou produz o teatro humano. Mas quando alguém se vê perante um destino terrível improrrogável, tanto crianças como adultos esquecem deuses e adorações, teorias evolutivas e leis... e chamam pela mãe.
Ena pá!
Não há fome que não dê em fartura! Tenho alguma coisa escrita na testa? [Provavelmente tenho, mas nos meus espelhos não aparece].
Desamparem-me a loja, por favor!
Isto deve ser da época natalícia.
“Toma lá estes presentes”, deve ter dito o menino Jesus – sim, porque para mim não há cá barbudos barrigudos! É o menino que desce da manjedoura onde passa, estirado, 364 dias/ano, mostrando-se ao mundo e subornando os fiéis com modestos presentinhos. E nós, tontos, portamo-nos bem durante todo o ano por causa de bombons, coisas pró enxoval e ricos envelopes?!
E que belos presentes antecipados este ano, oh Jesus!? Deves andar com as prioridades trocadas. Ou tens uma secretária muito pouco eficiente, porque o post-it com esse pedido já criou mofo!!! Se eu fosse esperar, o melhor era fazer-te companhia nas palhinhas!
Agora não estou a precisar de homens. Agora podia ser outra coisa qualquer… mais material. Sei lá o quê. [Mas algo que dê para pôr debaixo da árvore e abrir na noite de consoada em que os adultos vão à missa do cocorócocó e os jovens (onde me incluo) ficam a ver o “Home Alone” pela octogésima quinta vez].
Agora… não me dês tipos a magote! Ao quarto de dúzia é “mai barato”?
Um amigo dum amigo já apelou ao toque. O excesso de toque por desconhecidos inquieta-me. Se houver anuência epidérmica desencadeio eu o processo, não a outra pessoa!! Afinal quem é que manda?
Outro, agora diz que está apaixonado. Ah e tal, os sentimentos. O quê? Mas conheces-me de algum lado? Sentimentos desses? Vá, chega-te para lá! Não sou a mãe dos teus filhos, lamento. Nem sei se vou ser dos meus! E não estou disponível para compromissos. É exactamente deles que pretendo proteger-me. Pretendo ficar imune durante uns tempos, para desintoxicar. Já tomei a vacina e tudo. Como não estava disponível no Plano Nacional de Vacinação saiu-me do bolso [leia-se “lombo” ou “pêlo”]. Ainda estou a pagar por ela… às prestações.*
O outro é um conhecido de há praí cinco anos, de quando eu ainda era pita. Sazonalmente vai apontando na minha direcção a ver se me acerta com uma chumbada. Invariavelmente não. Mas como está aberta a época de caça, aquela estrela de cinema treina a sua pontaria.
“Pró Natal, o meu presente, eu quero que seja…
…a minha agenda, a minha agenda tururururu!”
*As minhas metáforas nem sempre são as melhores, mas fazem-me tanto sentido na cabeça que não as usar retirava metade da riqueza do meu pensamento. “Riqueza” ou “alienação”. Uma das duas.
Knowing when to leap. Knowing when to leave.
There's always a moment, in the beginning of getting to know someone, when I'm faced with diving in. I can feel myself perched, hesitating, knowing that I either have to take the risk and jump, or I stay back. It's not a moment that offers itself again, so it's foolish to think my decision in that moment doesn't matter. It matters a lot. In that moment, everything can change.
I seem to stay in relationships longer than when I know it's time to go. Not because I'm in love with the person anymore - I usually know I'm not. I am in love with the idea of joining my life with someone and creating something together. It's sad to think of letting go of all the effort that brought us that far and starting again. So I end up working toward an ideal, an illusion really.
I've seen it a few times now. There's always a huge cost on both ends for not taking advantage of the portal that presents itself and using its momentum to fly off into another world.
It's all about trust. Trusting that I can leap when it feels right and my intuition tells me to. That something, somewhere, will catch me.
Hoje faz frio. O Outono que tanto esperava finalmente apareceu!
Quando acordei ainda havia brasas na lareira. Fiz o que sempre faço. Abri a porta morna da lareira e brinquei com o fogo.
Fico assim, letárgica, durante uma hora ou isso, a absorver o calor que resta naquelas brasas. Adoro acordar, descer (descalça e arrepiada) as escadas, fechar-me na sala e derreter-me em frente à lareira.
É um bom ritual. Acompanha-me um chá. Invariavelmente, um chá. Apoio o PC nos joelhos e encosto-me no sofá a escrever aquilo que se vai passando comigo.
Como sou sempre a primeira a acordar (mesmo quando - ou especialmente quando - tenho visitas) tenho tempo suficiente para escrever, passar revista à madrugada e juntar os meus pozinhos de perlimpimpim mentais. Adornar. Limar.
Aproveito e vejo uns desenhos animados destes actuais que não me dizem nada mas que têm sonoridades estranhas q.b. para manter o cérebro desperto, sem desviar a atenção. É o ruído necessário para evitar o silêncio.
Depois da escrita, o banho. Inevitavelmente, o banho. Escrever depois do banho seria perder a acuidade que finjo.
O banho leva-me (lava-me) as ideias, faz um reset emocional. Se, depois do banho, mantiver os sentimentos no sítio, se continuar com vontade de voltar para a cama, aninhar-me no calor e embrenhar-me nos sonhos de quem lá dorme, quer dizer que estou metida nisto com sentimentos. Bolas, não vinha nada a calhar!
É bom o sábado de manhã aqui. Volto lá acima e corro por todas as divisões inabitadas, carregando nos interruptores dos estores. Com a arte de uma atleta estúpida consigo pô-los todos a subir ao mesmo tempo.
Fico a meio, no topo das escadas, a apreciar o sol a nascer cá em casa. Só agora é oficialmente dia.
O dia útil começa lá fora mas como estamos juntos não consigo descolar-me do seu corpo; o sol já nasceu há horas e a minha preguiça pede-me para ficar imóvel outro minuto; vou buscar mais um pouco do seu calor – visto-me com o corpo dele. Assim, agasalhada, a sua pele é-me tão familiar. Confundo-a com a minha.
Perco a noção do tempo. Um minuto fez-se uma hora. Cada vez que se mexe deixo que um olho acorde sozinho e o espreite, garantindo que está bem.
Não resisto. Fico assente no seu sono imperturbável, na sua paz aparente e sinto a vontade (quase) incontrolável de o acordar, esgotar, sorver.
Por momentos esqueço o tantra e penso em abusar dele até soarem os alarmes sensoriais. O shiva e o shakti que se lixem! Que arda no meu prazer o livro do Imperador Amarelo! Sinto o impulso para a comunhão – the urge to merge.
E depois desta quimera olho-o e vejo-o dormir descansado. Toda esta paz, esta calma amansam a minha sede [ou fome]. Inspiro-o. Cheiro-o. Agarro-me a ele como se em breve ficássemos separados por meio oceano. Inspiro-o. Cheiro-o. Não quero saber de mais nada senão dele, agora. Não vou sentir fome nem frio nem desconforto nem medo nem embaraço nem nada. Só isto. Vou deixar-me ir nos seus dedos, vou percorrer o seu corpo e esticar o tempo a meu bel-prazer. Vou beijá-lo. Não resisto e sorrio ao beijá-lo. É mais forte que eu, mas a minha felicidade aparece-me primeiro na boca. Sorrio.
Quando não está a reparar fixo-me nele. Vou fechando os olhos e verificando quão aproximada está a imagem real da mental. Faço uns ajustes e sorrio. Sou mesmo pateta. Mas gosto. Gosto de ser assim, de o esboçar na cabeça para ter a certeza que sou fiel aos cinco sentidos. A pele é aquela e não outra. O cabelo escrupulosamente alinhado. O cheiro é aquele, e aquele cheiro é meu. Fui eu que o cheirei, já o inspirei, é meu! O seu beijo traz água [no bico]. E o seu som… nenhum. Silêncio. No meio das inspirações curtas, destaca-se uma ou outra profunda e preparo-me para registar a expiração doce. [Já está!].
Inspiro-o. Cheiro-o. Guardo-o.
Sorrio. Deixo-o ir. Sorrio.
De luzes apagadas, fico a ressacar. Noutro dia qualquer estaria a preparar-me para sair, para ir jantar fora.
Não hoje.
Hoje estou a fingir-me acompanhada. O rádio e a tv trazem-me ruído. O telemóvel e o computador ligam-me a toda a gente menos a ti. Estou habituada ao teu som, mas é este que tenho agora. (Chama-se silêncio, apesar de tudo).
Não consegui chorar senão hoje. De tristeza ou alívio ou felicidade ou sei lá. Nada o faria prever e eu estava desarmada – amorfa e desprovida de defesas. Na cama, sem que desse conta, duas lágrimas quentes e doridas caíram. Trouxeram com elas o choro convulsivo, as muitas inspirações curtas e as expirações largas e vocalizadas. Eram só sentidas, não magoadas.
Não consigo homenagear-te de modo justo. Não há palavras para te definir, para te mostrar quão melhor sou por tua causa.
Agora vou fingir pesar quando sinto felicidade e gratidão?
O que para ti foi um fim, para mim foi um suspiro. O que para ti foi um acumular, para mim foi um libertar. (Não de ti, não sejas palerma. Tens a mania de te vitimizares. Não o faças. Pelo menos não hoje, que te ouço na cabeça).
Estou feliz e serena e triste e irritada. Estou cheia de certezas quanto aos devaneios, mas continuo sem projectar e sem vontade de o fazer. Estou calma e sorridente porque ignoro o que me espera nas noites e dias e noites e dias de inquietação, de estranheza, de solidão.
E, no entanto, não consigo ficar triste. Sei que é o esperado, o “normal”…
Só consigo sentir irritabilidade, algum descontrolo, impulsividade... que são sentimentos carregados de energia, por definição! E a minha energia uso-a como bem me aprouver!
Agora vou viver o meu luto. À minha maneira homenagear-te-ei. Sempre. Porque sou melhor agora. Conheço-me melhor agora.
Sou mais eu assim, sem ti.
A arte de flirtar é algo que nunca dominarei.
E não digo isto com o mínimo de angústia: prefiro deixar-me levar, construir a dois, do que dominar e pôr em prática um “modelo”.
Creio que o processo que leva à aproximação de duas pessoas é… estimulante.
Conhecem-se, aproximam-se, fazem concessões; discutem, trocam informação, baixam as guardas. (Estou a ser o mais clara possível para saberes que estou a falar de ti).
Ambos sabemos que andamos a apalpar terreno e sabemos que isto… é o que é e nada mais.
Com prazos pela frente e dois feitios complicados, muitíssimas agravantes fazem com que eu me reprima nalgumas coisas.
Voltemos ao flirt.
Gosto do jogo do gato e do rato, das palavras com dois sentidos, da maneira como tudo é dito até um limite e as interpretações ficam na consciência de cada um. Gosto disto contigo. Não é algo que costume fazer. Creio que costumo ser mais “directa”, menos encantada.
Por agora ando extasiada, maravilhada, atraída, cativada, encantada contigo. Principalmente por não me caíres nos braços com facilidade. A tua luta aguça a minha vontade. O teu afastamento e aproximação q.b. potenciam o meu desejo.
Tenho fantasiado inúmeras cenas, umas corriqueiras, outras mais tórridas, em que és personagem principal. Tenho pensado muito em ti, em quem és, no sabor que terás. Quero ficar a escutar-te horas a fio, quero ver-te sentado, a fumar, no largo parapeito da minha janela antiga, com cornucópias de fumo a saírem-te pela boca. Quero fotografar-te a dormir, quero beijar-te para que acordes, quero fazer amor contigo de manhãzinha e ouvir-te gemer discretamente como, aliás, parece ser teu apanágio em tudo.
Quero conhecer-te e saber o que pensas sem que o digas. Quero perceber as tuas manias e os teus caprichos. Quero jantar contigo, beber contigo, namorar contigo, passear contigo. Quero dar-te a mão na rua e beijar-te sem motivo, como os garotos.
Quero que partas com esta recordação minha. Que me guardes num cantinho novo, livre de jornalistas.