Todos os anos faço umas férias em família. Os meus pais, eu, o casal amigo dos meus pais e os dois filhos destes. Como nos conhecemos desde sempre e fazemos praia juntos todos os anos, este ano era só mais um. Sempre andámos à-vontade uns com os outros, fomos cúmplices nas saídas, encobríamos as escapadelas uns dos outros e sempre dormimos os três juntos. Sempre fomos tratados, quer pelos meus, quer pelos pais deles, como irmãos.
Naquela noite o irmão mais velho ia receber a visita de uma amiga recente que estaria de passagem ali por perto, em trabalho, e aproveitaria para ir tomar um copo e passar um bocado com o seu amigo. O outro irmão e eu ríamos que nem tontos, patrocinados por Cosmopolitans que pareciam ter sido preparados pelo próprio Tom Cruise em tempos que já lá vão.
Comecei a ficar cansada da noite e pedi ao mano mais novo para irmos andando. Ele também já estava cansado. É daquele tipo de homem que começa a rir e a dizer parvoíces quando fica com sono. Fica com os olhos amendoados, semicerrados, e ri-se por razão nenhuma. Íamos andando para casa; era eu que conduziria o carro dele. Apesar de ser novinho o rapaz conduz um descapotável. Como a noite estava quente (e ele fez questão disso) fez deslizar a capota e lá seguimos, eu arrepiada, ele feliz da vida, até nossas casas. A minha e a dele são paredes meias, mas o pátio e jardim são comuns, pelo que ficámos por ali recostados num sofá de exterior– daqueles de dossel que agora toda a gente insiste em ter… e ainda bem.
Ficámos a reviver memórias, a abafar o riso para não acordar os pais de ninguém e não ter de ouvir queixas durante o pequeno-almoço. Comecei a sentir frio e perguntei-lhe se queria subir comigo para me agasalhar. Disse-lhe, inclusive, que poderia dormir em nossa casa, como várias vezes fizera. Anuiu. Ficámos no meu quarto a falar e entretanto saí para me equipar para dormir. Top, calças de algodão, meias e caneleiras. Esta é a indumentária para um pré-sono. Enfiei-me na cama e continuámos as nossas conversas. Reparei por esta altura que, devido aos quatro anos de idade que nos separam, poucas vezes estivemos tão próximos. Sempre falei muito mais com o irmão, exactamente da mesma idade que eu, nascido 5 dias antes de mim. (Ninguém me tira da ideia que as nossas mães combinaram!)
Disse-lhe para vir para dentro dos lençóis porque a noite começava a arrefecer. Apagámos a luz e fomos dormir.
Pensava eu que íamos dormir. Passados longos minutos eu ainda não dormia. Chamei-o baixinho, pelo nome e soube que também não adormecera. Comecei a acariciá-lo na cara e nos ombros, para chamar o sono, e senti que estava a saber-lhe (tão) bem (como a mim) aquela partilha de mimo. Mantivemos a conversa em tom informal, sobre as coisas do passado e do presente. As mãos dele começaram a retribuir os gestos que eu lhe desenhava no corpo. Aproximei-me dele e não resisti a começar a dar-lhe pequenas dentadas nos ombros, na nuca, inclusive na cara. De barriga virada para baixo ele inspirava golfadas de ar em ritmos coincidentes com as trincas que lhe dava.
Os meus pais estavam a 30 cm de parece dali.
Não tive coragem de mimar o meu amigo como a minha libido pedia. Num acordo tácito mantivemos as mãos em zonas permitidas e as bocas longe uma da outra. Adormecemos de mão dada, não sem antes termos executado uma dança de carícias nas mãos, braços, cabeça e costas um do outro. Carícias dignas de um caso amoroso… utilizadas num caso amistoso. Durante a noite senti vontade de o acordar com um beijo na boca. Presumo que terá sentido o mesmo.
Ao amanhecer ouvi o lufa-lufa matinal da rotina dos meus pais e do pequeno-almoço que seria servido no jardim comum. Ao abrir os olhos senti como que uma vergonha, uma inibição por tudo o que se tinha passado durante a madrugada, no escuro. Ele continuava a dormir e não o acordei. Tomei banho e vesti-me. Fui ao jardim e vi a mãe dele sentada com a minha, à espera que servissem o pequeno-almoço. Cumprimentei as duas, disse que o mano mais novo dormira lá por casa e que estava ainda adormecido, ao que a mãe me pediu para o acordar pois tinha compromissos para essa manhã e não poderia atrasar-se muito mais.
Voltei ao quarto, ainda escurecido e não deixei os olhos habituarem-se à escuridão. Conheço bem os cantos do quarto e não demorei a estar de joelhos na cama, encostada à sua nuca, a dar-lhe os bons dias. Senti o sorriso a formar-se e já conseguia ver o branco dos seus perfeitos dentes. Dei-lhe um demorado beijo na bochecha e disse-lhe: “Anda, dorminhoco. A tua mãe já te chamou para ires tomar o pequeno-almoço no jardim.”
Sorriu novamente, puxou-me para si e deixando os meus lábios a poucos milímetros dos seus disse-me que eu cheirava bem. Inspirou-me a cara, o cabelo, o pescoço. Deu-me um abraço a que correspondi e soltou-me depois, dizendo que desceria dentro de poucos minutos. Fiquei com vontade de o amar ali. Forte, afastei-me, soltando-me da mão dele que ficaria esticada, no ar. Nunca cheguei a conhecer o sabor dos seus lábios.