No dia em que fomos apresentados (seria o meu futuro colega de trabalho) achei-o logo interessante. Tão interessante quanto é permitido a um tipo de aliança na mão direita.
“Menos-mal”, pensei, “Sem compromissos agrada-me mais!”.
Poucos minutos depois falava-me da highschool sweetheart, de como se conheceram, da faculdade que fizeram juntos; até mencionou os planos: juntarem-se daí a dois anos, quando as carreiras de ambos estivessem consolidadas. Tive logo náuseas com aquela história. “Quem pensas tu que enganas? Deves ser fresco, deves!”
O olhar dele percorria-me toda durante vários momentos da conversa, o que me deixou irrequieta e lisonjeada.
Daí a poucos dias passaríamos a ser colegas e eu tinha de me habituar à sua presença constante, pelo que era melhor ser ponderada nos actos (e já agora, refreada nos pensamentos). Começámos por almoçar juntos quando tínhamos projectos comuns mas depressa deixámos de precisar desse tipo de argumento. Divertíamo-nos bastante no trabalho e discutíamos tanto as tarefas em que ambos estávamos envolvidos como aquelas que desenvolvíamos individualmente.
Creio que comecei a apaixonar-me por ele; creio que começou a apaixonar-se por mim. Deixámos a situação evoluir sem falarmos – nem que levemente – em assuntos comprometedores.
Como andámos a cortejar-nos mutuamente desde os primeiros dias, não tenho exactamente a certeza de onde e quando houve o “clique”; sei que um comentário levou a outro e em pouco tempo ficámos cientes do desejo que partilhávamos. Ambos “comprometidos” (oh God, como odeio esta palavra!) e a saborear alguma insatisfação a isso associada, o que aí vinha não foi inesperado.
Um dia estávamos a trabalhar juntos, fora de horas, e pedi-lhe que ficasse mais um pouco, pois precisava da sua ajuda. Sugeri que fechasse a porta do escritório. Percebeu de imediato o que vinha nas entrelinhas e isso ficou visível na sua face, subitamente sorridente. Baixou a cabeça e agitou-a de um lado para o outro, com os olhos fechados. Pensaria "No que é que me estou a meter?", como eu? Foi a primeira vez que nos beijámos. Entre beijos virou-me de costas para ele, encostou-me à parede e soltou-me o cabelo, cheirando-mo. Não houve nada de bruto, de sôfrego. Pelo contrário, íamos como que pedindo licença para fazer investidas, pequenas conquistas, ainda que fizesse questão de mostrar que me dominava, agarrando o meu cabelo com veemência. Os beijos eram longos, num estilo adolescente, daqueles que se apaixonam de verdade, e para sempre.
Entretanto, e passados sete meses, deixámos de ser colegas.
Havia passado muito tempo desde o meu último affair, exactamente com ele, o que me levava a crer que já não me lembraria do que era flirtar, do que se fazia ou dizia. Fui, como combinado, ter ao bar do momento, deixando-o previamente avisado: “tenho outro assunto pendente, marcado exactamente para a mesma hora”, o que me permitiria desaparecer em caso de pânico, seca ou outra hecatombe.
O meu vestido era perfeito: o corte "olha-para-mim-sou-a-mulher-mais-apetecível-deste-spot"e a cor, azul-petróleo, revelavam sobriedade e pureza – exactamente o oposto das minhas expectativas ébrias e lascivas.
No cumprimento fomos demasiado formais, o que não traduzia o conhecimento íntimo que mantivéramos três anos atrás, no escritório; mais que isso, não era denunciável que andássemos a trocar telefonemas e mensagens quentes há quase dois meses, a partir daquele contacto profissional que ele não pudera delegar e a que eu não resistira atender.
Desde então não havíamos combinado o encontro por culpa minha, que acreditava que já não sabia namorar. A história do cortejo e dos rituais de acasalamento parecia-me tão longínqua como o Alasca.
Quando cheguei tive dificuldade em reconhecê-lo. Imaginei que cairia para o lado, que coraria, que não teria reacção. Pensara muito nele desde que tínhamos seguido caminhos profissionais distintos, o que aguçara a minha curiosidade em saber que efeitos tinham tido nele o casamento e a paternidade, etapas que fez questão de mencionar no tal telefonema "profissional" que nos fizera entrar de novo em contacto. Imaginei-o, portanto, mais maduro e mais doce – um pai.
Quem encontrei foi um tipo diferente do meu ex-colega/ex-amante. Não era sequer parecido. As memórias que fui construindo foram muito benevolentes, favoreciam-no muito e a realidade fora bastante menos aprazível.
A vida de casado assentava-lhe bem, ainda assim; o papel de pai também, provavelmente, mas ser "a outra" deste tipo não era para mim. Este não era o meu filme. No way!
Percebemos imediatamente que os desejos relativamente ao outro haviam sido corrompidos pelo tempo, defraudados pelas recordações. Ele procurava um escape e eu um tipo que já não existia. As altas expectativas cultivadas durante os recentes contactos (carregados de desejo) via telemóvel não deixaram realçar as nossas muitas divergências. Até aquele momento.
“Continuas igual”, disse-me. “Pois continuo. E ainda bem”, pensei.
Conseguimos tomar o nosso café, não tive que usar nenhuma desculpa para fugir e acabei por lhe dizer que durante o tempo de amantes me deixara louca, tendo ponderado a hipótese de deixar o meu então (e agora) namorado, mas que essas circunstâncias tinham ficado no passado, e no presente nenhum de nós fazia sentido na vida do outro.
Ainda assim foi um bom momento, este o do reencontro. O meu vestido passou a ser apenas mais um vestido azul-petróleo com um óptimo corte.
Quando nos despedimos – naquele abraço demorado – deixámos no outro um “até sempre” que foi, na verdade (e conscientemente) um “até nunca”.