É tão fácil, tão fácil pôr uma pedra em cima de um assunto – de uma pessoa.
Fui chutada para canto.
Fui, e no canto permaneci, atónita. Ainda não sei de onde veio o que veio, ainda não compreendi porquê. Ao início parece que é impossível, que apenas não está a acontecer. Que é um sonho mau – e é, afinal, uma realidade má.
Mas ontem percebi como é fácil conseguir que as coisas não resultem. Basta não fazer nada. Uma saída, pessoas na noite. Sem tramas, sem teias, sem espinhas, seduzir é muito fácil. Começam os sorrisos, os risos, as perguntas inocentes. Inocentes como os toques, primeiro subtis.
Seguem-se as piadas, os encostos, a dança, os copos que se esvaziam sozinhos. Ainda as conversas que não são mais do que auscultações, itens das checklists que inadvertidamente tentamos verificar. Ou à força, não sei…
Toda a noite foi um teste, um ver até onde é que consigo ir, até onde me deixo ir. Ver se é isto o que preciso, se é disto, de atenção física que estou manca. E nem precisei de me esforçar grande coisa, bastou ir lançando charme sobre os três com quem estava. Só para alimentar o meu ego recentemente murcho. E ser alimentada por três é algo tentador. Se entretanto me apetecesse, era limitar-me a ir medindo afinidades e tentar perceber para que ombro pendia a minha cabeça, sem constrangimentos.
Com qual deles teria eu margem para brincar à minha vontade? Com o #1, o comprometido, que já encontrou a mulher da sua vida? Com o #2, que tem “um caso” recente? Com o #3, o playboy de corpo rijo, sorriso branco e alinhado, de 26 aninhos?
O comprometido, óbvio – o playboy tem muito jogo e eu não gosto de perder.
“Dás-me boleia?”, pergunta o tonto do comprometido. “Tenho as mãos frias”, diz-me, pegando nas minhas. E daí ao “vamos lá a casa beber um licor fabuloso?” vai a distância de uma mão dada.
Da tensão no elevador até ficarmos de narizes siameses na cozinha de casa dele vai a distância de uns olhares que se encontram e se amigam.
Desvio a cara sempre que os seus lábios se aproximam perigosamente da área exclusiva dos meus, enquanto decidimos o que, afinal, beber. Estamos, de facto, a empatar, a engonhar.
E é nestes segundos, nestes momentos e jogos de mãos que mora o click, o ponto de não-retorno. Se é para nos devorarmos, é aproveitar esta altura, em que a respiração denuncia um coração a bombear em todas as direcções. Todas.
Se não é para o banquete, é aproveitar enquanto ainda não se tem contacto com essas direcções todas e evitar, assim, qualquer referência mental ou sugestão.
Ainda na cozinha, a olharmos para a garrafeira, faz questão de me abraçar por trás para que eu sinta, nas nádegas, as suas intenções – e são evidentes. Começa a desapertar-me o nó do cinto do casaco, doido por me lançar as mãos à cintura ou aos quadris, por debaixo do vestido.
Fecho o casaco.
- Vou andando. Adeus.
- Tens a certeza?
- Não. Adeus.
E é no carro, no caminho gelado das cinco da manhã, que percebo que é muito fácil, demasiado fácil, deixar tudo e deitar tudo a perder. Que «complicado» é gostar de verdade, ser de verdade, ter de verdade – e árduo é ser-se amigo, quando se é namorado.
Isto?, isto era só demasiado acessível, dado – descartável. Acordar com aquele tipo ao lado parecia inteligível, imediato: um tipo giro, interessante, divertido, boa conversa, melhor corpo. Seria uma experiência – algo para guardar, memorizar, até partilhar aqui, who knows? E vindo com namorada – great – porque isso garantia que não me chateava com telefonemas ou sms ou cafés.
Era tudo demasiado fácil.
E meaningless.
{I’m out}