16 de janeiro de 2011

[DILEMMA], escrito a 1 de Junho de 2010.

Há teorias que os estudiosos e investigadores desenvolvem, baseadas na realidade, que poderiam aplicar-se aos relacionamentos.
Essa é a especialidade desta casa. Em Marte vão buscar-se técnicas, teorias e correntes de pensamento com aplicação prática nas ciências exactas e aplicam-se ao mundo que conheço: o das relações.
Assim, e tendo em conta o funcionamento dos mercados, desde cedo aprendi que um monopólio é, pelas suas características, mau. Assim o será também a monogamia, presumo, pelo abuso de poder que lhe está inerente. As condições ideais, já dizia o Adam Smith, implicavam uma mão invisível que regulava o mercado criando oportunidades equitativas e satisfatórias para todas as partes. Esta é uma visão bastante comunista da economia e assim o é aplicada a uma relação.
Neste caso, a mão invisível seria não a capacidade auto-reguladora do mercado, mas uma mão que alguém nos dá, mesmo – ou especialmente – quando não a vemos. E não precisamos necessariamente de a ver: basta senti-la. É neste espírito que funciona a “mão” do Adam Smith, em que as tuas mãos incarnam nas minhas e estas, fazendo as vezes das tuas, me exploram equilibradamente, invisivelmente, nos momentos em que não estás mas o desejo de ti sim. É este o regulador do mercado. É a não-necessidade de ter comigo na cama outros consumidores a quem eu escoaria facilmente o excessive stock que tenho de tesão.
Chegamos então a um estado contraditório: esse regime não dá poder de actuação de um sobre o outro? É isto um monopólio – esse bicho-papão desvirtuador da economia – que manieta a actuação do outro?
A resposta é: depende.
Se olharmos para o célebre dilema do prisioneiro, uma teoria de jogo clássica, podemos compreender que o resultado, num jogo como num relacionamento, depende não só da minha actuação como da actuação do outro ou, aliás, da soma das duas, senão vejamos:
O “dilema do prisioneiro” é, basicamente, uma história de dois indivíduos que foram presos. Desconhece-se se um ou outro são culpados, ou se os dois, ou se nenhum – e realmente, não interessa. Dizem-lhes as autoridades – a cada um, independentemente – que (i) se ambos negarem a autoria do crime (e uma vez que não há mais provas), saem os dois ao fim de 6 meses de cadeia; (ii) se um confessar (e acusar o outro) ganha imunidade, sai em liberdade ficando o outro encarcerado por 10 anos; se (iii) cada um culpar o outro recebem ambos 5 anos de cadeia.
 A questão central aqui é que os dois prisioneiros não estão juntos nem poderão conversar entre si. Neste caso o resultado não depende só da acção de cada um, mas da soma com a decisão do outro.
A relação a dois funciona do mesmo modo: ou se confia que o outro não vai denunciar o contrato tácito ou mais vale acusá-lo logo e acabar com a cumplicidade, contando, à partida com a minimização do dano pessoal. Neste caso não se está a contar com parcerias futuras. Já no caso de haver “repetições” do jogo, como haverá seguramente no caso de uma “parceria amorosa”, o receio de punição ou castigo inviabiliza ou minimiza as hipóteses de um payoff desfavorável para uma ou outra parte, favorecendo a cooperação. Trocando por miúdos, as pessoas são mais amáveis e afáveis se condicionadas por um “medo” de repressão, ainda que meramente imaginativo.
A teoria dos jogos oscila entre uma interacção cooperativa e competitiva. E é assim nos mercados económicos como nos laços pessoais: mesmo tendo consciência que num cenário de cooperação os resultados seriam largamente melhores (em que os dois prisioneiros negavam a acusação e saiam os dois com 6 meses de pena), o player é impelido para o individualismo, procurando o próprio bem sem olhar ao bem do outro (sair em liberdade e o outro cumprir 10 anos de cadeia), por via das dúvidas e da falta de crença nas atitudes e na boa-fé do outro.
Se bem que nenhum prisioneiro tenha actividade focada no prejuízo do outro – note-se que até serem presos eram cúmplices – a incerteza da actuação do outro fá-lo-á proteger-se, pelo que os concorrerão CONSCIENTEMENTE entre si ao invés de cada um praticar o cenário que mais vantagens lhes traria: a cooperação.
Mas dizem os estudiosos das probabilidades nas teorias dos jogos que as melhores estratégias e, portanto, a aproximação à “decisão óptima” têm em comum uma série de acções, e que passam pela amabilidade, a retaliação, o perdão e a anti-inveja.
Se tivermos em atenção estes como estandartes da nossa actuação, a probabilidade de sermos bem-sucedidos em qualquer estratégia é maior, logo o payoff é o melhor para os dois. A amabilidade pressupõe que não se abandone o “campo de jogo” sem que o outro player o faça primeiro. Por uma questão de perseverança estratégica o player só desistirá se o outro (até então cooperante, a partir de então opositor) o fizer primeiro. Ou seja, se há dúvidas em que o relacionamento é ou não viável, é porque existe a hipótese de viabilidade e, logo, de sucesso – não está em causa a duração, apenas se é bom ou mau para ambos. Se existe a dúvida na viabilidade é porque há espaço para o sucesso, sendo que doutro modo não haveria hesitação, mas antes a certeza de que não funcionaria. E assim, faz sentido o investimento. Isto não implica uma confiança cega, pois terão de ser consideradas as estratégias de oportunismo vindas do outro lado. Se reiterado o oportunismo, a retaliação surge como uma estratégia clara e indiscutível. E do mesmo modo que se parte para a retaliação, o player saberá, por razões estratégicas de bem-estar, perdoar e voltar a cooperar assim que haja a mesma atitude por parte do outro player que, abandonando o papel de opositor, retoma o de cooperante. Por fim a anti-inveja é a qualidade do jogador que lhe permite jogar sem estar a comparar o seu jogo ou os seus proventos com o do outro player. Joga de acordo com a sua consciência e não com os movimentos de jogo do outro player. Não deverá procurar uma dominância, porquanto deixaria de ser um jogo cooperante.
The bottom line is: o jogador interesseiro começará a ver mais vantagem na cooperação e passará a praticar as quatro acções acima descritas como estratégia; o player naturalmente amável terá mais probabilidade de ser bem sucedido pois começa mais cedo com a decisão óptima e, dizem-no os estudiosos destas questões, são os que têm um payoff mais favorável, mais cedo, em todos os aspectos pois não apresentam “medo” de perder, nem revelam culpa nas actividades empreendidas; trabalham para o bem e, caso o mal venha, não é derivado das suas acções.
É uma merda ser dos bonzinhos, ser destes que dão a face (e mais bochechas, se as houvesse) para ser esbofeteadas. Diz-me a experiência que sou mais feliz assim sem medo da frustração e do fracasso, mais próxima da utopia. Até ver concordo com ela. E “dou-me-te” sem medo.

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